O vinho e seu significado religioso

por migracao

O vinho e seu significado religioso
 Por Jandir Passos


Por que o vinho se tornou elemento fundamental de ligação com o divino em muitas culturas antigas


Religião vem do latim, “religio”, significando religação com o divino, com o transcendental. Essa busca pela religação com o divino foi buscada no passado por diversos povos, nas mais variadas formas: sacrifício, penitência, abnegação, orações, etc.


E qual poderá ser a origem da tradição de ligar o vinho à esfera religiosa? Talvez pelo fato da videira ser uma planta perene. No inverno ela “adormece”, as folhas caem, e parece morta. Quando ela retorna à vida, fornece frutos, com os quais se faz uma bebida que torna alegre a quem dela se sirva. Esta mesma bebida, no inverno, aquecer o seu consumidor enquanto a videira dorme novamente. Este processo cíclico dá idéia de vida eterna, de um eterno renascer. A videira era portanto o símbolo da imortalidade e da fertilidade. Todavia, no que se refere a associação do vinho à fertilidade, há outra perspectiva: o efeito do álcool do vinho, quando ingerido em excesso, deixa as pessoas mais livres de “travas” sociais, livre das imposições ditadas pelas regras e etiquetas sociais, permitindo uma relação interpessoal maior, inclusive no plano sexual. Assim, a conexão entre fertilidade e vinho pode também ser derivada da ligação entre vinho e sexo.


 Ainda que outras bebidas alcoólicas, principalmente a cerveja, tenham também exercido papéis simbólicos nos cultos religiosas, o vinho acabou sendo a bebida que mais fortemente predominou neste sentido, e praticamente expulsando seus rivais alcoólicos do cenário religioso, especialmente com o advento do cristianismo.


E que culturas no passado estabeleceram um vínculo religioso com o vinho ? 


Na antiguidade, os sumérios usavam o desenho de uma folha de parreira para simbolizar a “vida“. Os primeiros registros dos sumérios, povo que se localizava na região hoje delimitada pelo Iraque e o Kwait, remontam há mais de 3000 anos antes de Cristo. Possuidores de grande cultura, desenvolveram uma escrita avançada (a cuneiforme, isto é, em forma de cunha, gravada em tabuletas de argila) e conhecimentos avançados de matemática e astronomia, estes dois últimos de utilidade prática para o comércio e a agricultura: produção, venda e controle de estoque; e previsão da melhor época para o cultivo e a colheita. Graças a esses conhecimentos científicos, o vinho foi produzido em grande escala na Suméria.


Nas tumbas dos faraós, o vinho era um dos artigos obrigatórios pois o faraó iria dele se servir durante a sua viagem rumo à morada final no além. 


Dioniso (ou Dionísio), o deus do vinho, é, na Grécia, um deus civilizador. Foi o primeiro a plantar e cultivar as parreiras, assim o povo passou a cultuá-lo como deus do vinho. Os rituais dionisíacos, que têm no vinho o seu “leit motiv”, deram origem ao teatro, à tragédia, à comédia e ao drama.


Na bíblia , aquele que é servo de Deus, é temente ao Senhor, se comporta de acordo com Sua vontade, colhe os benefícios dessa ligação. E a colheita é uma das promessas feita àquele que é compromissado com Deus. No 30º livro bíblico, Amós 9:14 parte b, do antigo testamento, temos:

”  E trarei do cativeiro meu povo de Israel, e eles reedificarão as cidades assoladas, e nelas habitarão, e plantarão vinhas, e beberão o seu vinho; e farão pomares, e lhes comerão o fruto.”


A relação entre religião e vinho ganha contornos práticos na Europa medieval, particularmente em cidades episcopais, onde o bispo torna-se o primeiro vitivinicultor. Na França, os mosteiros tornam-se importantes centros produtores pois sendo o vinho símbolo do sangue de Jesus, era imprescindível nas missas e não podia faltar.


Mesmo nas culturais orientais, a associação do vinho com a dimensão religiosa é mantida. No Budismo tibetano, o ato de beber vinho numa taça feita de crânio humano simboliza a transcendência da vida humana. Em outras palavras, a dimensão espiritual da vida e portanto sua eternidade.


 Assim, de um modo geral, o que se observa nas diversas civilizações antigas, é que o vinho é um elemento através do qual se busca a ligação com o divino, com o transcendental, e algumas vezes como uma recompensa como a descrita no 30º livro bíblico, Amós 9:14 citado acima. Em Eclesiastes XXXI, 27-28, lemos:


“O vinho é como a vida para o homem, se bebes com medida. O que é a vida para quem é privado de vinho ?  Pois foi ele criado para alegria dos homens”


 Talvez o vinho seja uma espécie de “arquétipo”, para citar Carl Jung e seu livro O homem e seus símbolos, comum à toda humanidade, no qual esta bebida está definitivamente associada à vida eterna, à religiosidade e à fertilidade, elementos de crucial importância para o bem estar dos seres humanos. Nas palavras de Aimé Guibert, uma das estrelas do Mondovino, “ o vinho é uma relação quase religiosa do homem com os elementos naturais, com o imaterial.



 Portanto, o vinho, como expressão antropológica de um povo, é carregado de simbolismos vitais ao seres humanos. Estes simbolismos ocupavam um papel crucial na vida dos povos antigos. E nossas raízes estão lá atrás, naqueles povos antigos, cuja sinergia com a natureza e o divino, ocupava um papel central no seu modo de viverem e de quem somos os seus herdeiros culturais.


Jandir Passos – Engenheiro, físico e oficial do Exército, além de enófilo, o carioca Jandir Passos leciona Física na Academia Militar das Agulhas Negras. Enófilo e estudioso de vinho e cultura,  ministra a disciplina “História Contemporânea do Vinho” no Curso de Pós-Graduação sobre “Vinho & Cultura” da Universidade Cândido Mendes (UCAM).

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